19/12/2018 - 18:39
Por Pedro Marques fotos Roberto Seba produção Florise Oliveira
Acerte o cordeiro
Por ser um cabrito mais novo, tem a carne mais macia, mas é preciso alguns cuidados para que ela não fique seca nem dura. Os melhores métodos de cocção são na grelha, em cortes não muito grandes, assada ou braseada. Costeletas e lombo de cordeiro têm sabor mais suave que pedaços como o pernil, que têm mais músculo e gosto mais forte, característica que pode incomodar alguns paladares.
Datas especiais como a Páscoa, neste mês de abril, giram em torno de uma palavra: tradição. A palavra vem do latim e seu sentido original é “transmissão”. Não à toa, as receitas preparadas nesta época muitas vezes são aquelas que foram transmitidas da sua avó para sua mãe e, depois, para você. Também é muito provável que o cardápio siga outra tradição, a de comer bacalhau, um hábito que surgiu por causa da proibição da Igreja Católica, ainda na Europa, de comer carne durante a Quaresma e que foi passado a nós pelos portugueses – os patrícios têm o maior índice de consumo de bacalhau per capita, cerca de sete quilos. A ideia por trás disso é relembrar tempos antigos, bons ou ruins, e manter essa memória viva.
Para os chefs, porém, a tradição pode ser uma espécie de amarra. Pergunte a um deles qual prato não pode faltar nesta data e a resposta mais provável será “bacalhau” – e o mesmo acontece no Natal, quando peru assado e tender são onipresentes.
Amigo do bacalhau
Há dicas importantes para deixar o bacalhau impecável. Para dessalgá-lo, use apenas água gelada, trocando-a várias vezes – só cuidado para não dessalgar demais, para não perder em sabor. O azeite, usado para cozinhar o bacalhau já dessalgado, é importante para interagir com o colágeno do peixe e dar cremosidade ao prato. O segredo é aquecer o azeite em temperatura abaixo de 100ºC, para que o pescado seja cozido, em vez de frito. A batata, acompanhamento clássico do bacalhau, deve ser cortada de maneira que o tempo de seu cozimento seja igual ao do bacalhau. E fique atento ao ponto do peixe: cozinhe até o momento que a carne ficar macia e se desfazer com o toque do garfo. Se cozinhar demais, o peixe ficará seco.
“Raramente as pessoas procuram novidades nessas épocas”, afirma o chef-banqueteiro Charlô Whately, que, além do bufê que leva seu nome, tem as casas Bistrô Charlô e o Cha Cha (todos em São Paulo). “Comercialmente, não acho viável. No nosso caso, que aceitamos encomendas para datas especiais, são poucos os clientes que fogem do comum e encomendam um peixe com farofa ou um ceviche, por exemplo”, conta.
Carlos Siffert, professor da Escola Wilma Kövesi de Cozinha e consultor do empório Casa Santa Luzia, ambos em São Paulo, passa pela mesma dificuldade. “A palavra-chave é o bacalhau. A festa é muito emblemática e, tem uma parte da clientela que ainda resiste”, diz o chef, que cria os pratos à venda no empório paulistano. E, geralmente, na forma de receitas clássicas, como o bacalhau à portuguesa (lombo assado em azeite extravirgem, com cebolas e alho-poró confitados e azeitonas pretas). “Uns 70% das receitas são mais tradicionais. No restante, testamos coisas novas e revisitamos alguns clássicos”, explica Siffert. Para repaginar pratos consagrados, o chef tem usado ingredientes mais comuns em Portugal, como natas e migas.
Sem medo do porco
A carne de porco pode ser preparada de diversas maneiras: assada, frita, grelhada, cozida, etc. Cortes maiores, como o pernil, vão melhores assados por longos períodos, o que dá tempo de a carne atingir a temperatura interna de 70ºC, recomendada
pela Anvisa para consumo seguro. Cortes mais magros, como o lombo, podem ser preparados mais rapidamente, enquanto os com osso também se beneficiam de cozimentos mais prolongados.
Onde os chefs conseguem fazer diferença é na aplicação de técnicas de cozimento mais recentes, que deixam o peixe com textura e sabor muito melhores. “O bacalhau de boa qualidade é como se fosse um caviar. Tem que ter um cozimento cuidadoso”, diz Siffert. O chef ensina que a melhor maneira de cozinhar o pescado, já dessalgado, é no azeite. “É um peixe muito amigo da gordura”, diz. Também é importante manter a pele, pois ela tem colágeno que serve tanto para proteger o ingrediente do calor quanto para manter a estrutura das postas.
Embora o bacalhau reine absoluto nesta época, ele também pode ser acompanhado por outros pratos, que funcionam mais como coadjuvantes e aparecem no domingo de Páscoa, quando o consumo de carne volta a ser permitido (ao menos pela Igreja Católica). No Brasil, a mais popular é a de porco – animal que nos acompanha desde a época da colonização e é presença constante nas culinárias das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul e, em menor grau, no Nordeste e Norte do País. O pernil, até por ser maior, combina com o clima de festa. Já o cordeiro, que é muito mais consumido na Europa, é outro corte que pode surpreender e agradar.
E foi para compor um cardápio de Páscoa variado que convidamos o chef Carlos Siffert para preparar as receitas desta reportagem. Para a Menu, ele preparou pratos de inspiração clássica, mas com alguns toques diferentes, para você variar. O bacalhau da Catalunha, por exemplo, leva pimentões e tomates, mas também abobrinha e berinjela, dois ingredientes que não costumam aparecer junto ao pescado. No caso do porco, o chef escolheu um minipernil que se destaca pelo molho cítrico, com açúcar e especiarias. Já a paleta de cordeiro traz sabores do Oriente Médio e leva zatar e xarope de romã. Para acompanhar, salada de alface friseé, erva-doce e tangerina; feijão branco com manteiga de ervas; e torta aberta de cebolinha e panceta. Assim, a comemoração está completa. Boa Páscoa!
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