por Cristiana Couto*

Massimo Bottura é chamado de o intelectual da cozinha italiana. O apelido não se deve aos óculos de aros finos e ar sério, compenetrado. É o discurso intenso e bem construído para explicar suas criações e o profundo conhecimento dos ingredientes de sua região – ele é natural da Emilia-Romagna – que tornam o apelido perfeito. Para completar, o chef-proprietário da Osteria Francescana, em Módena, na Itália, cozinha três estrelas no guia Michelin – e agora o melhor restaurante do mundo segundo ranking do The World’s 50 Best Restaurants -, alia o respeito à tradição com a inventividade no fogão, sem resvalar na superficialidade.

Um exemplo é a receita do ice cream bar, uma terrine de foie gras com balsâmico de 50 anos e crocante de amêndoa e avelãs, que ganha o formato de um sorvete crocante. O prato surpreende pelo seu formato inesperado e, ainda, por romper a fronteira entre o doce e o salgado – ideia bastante apreciada por Bottura. Mas um dos trunfos da receita é explorar texturas e toda a elegância e complexidade do vinagre balsâmico, um dos produtos-símbolo da Emilia-Romagna.

ice cream
O ice cream, à base de foie gras e vinagre balsâmico envelhecido, é um dos ícones da cozinha de Bottura (foto: divulgação)

 

Aliás, criações como o parmegiano reggiano (outro produto da Emilia-Romagna) em cinco diferentes estágios de maturação e cinco versões: molho, espuma, creme, “ar” e crocante colocam o chef entre os grandes nomes da nova gastronomia italiana. E para este cozinheiro intelectual, a cozinha vanguardista de seu país, que surgiu na virada deste século, só aconteceu após muita reflexão. “A década de 1990 foi um período negro da cozinha italiana, voltado para o comodismo. E é em períodos de crise que surgem coisas novas”, afirma. “Hoje aplicamos tudo o que aprendemos com os grandes chefs ao nosso território e aos nossos produtos. Estamos num momento de explosão”, diz.

Para desenvolver seu trabalho, Bottura teve como tutores cozinheiros de peso. Aos 14 anos, refinou o paladar com os pratos de Gualtiero Marchesi, verdadeiro ícone da cozinha italiana moderna. Seus primeiros vôos criativos vieram do contato com o francês Georges Cogny, no final dos anos 1980, um dos chefs que, morando na Itália, trabalhou a cozinha do país a partir de técnicas francesas. Dois mestres famosos acabaram por definir seu estilo. Em 1996, trabalhou com Alain Ducasse, no Le Louis XV de Montecarlo e, em 1999, passou o verão no El Bulli de Ferran Adrià. “As novas tecnologias são o apoio para que os ingredientes tenham um sabor melhor”, considera o cozinheiro. “Essa é minha ideia de cozinha: acima de tudo está a mente, que ninguém pode comprar. Abaixo dela estão os ingredientes e as técnicas. E sob tudo, a cultura, a idéia do belo”, filosofa ele.

Se você ainda não teve a oportunidade de conhecer a Osteria Francescana, que tal trazê-la para mais perto? Aprenda a receita do icônico ice cream bar:

ice cream bar

por Massimo Bottura, da Osteria Francescana 

1 kg de foie gras fresco e limpo (sem veias)
18 ml de Calvados
2 g de sal
2 g de açúcar
3 g de pimenta-do-reino
500 g de amêndoas sem pele, tostadas e picadas
500 g de avelãs tostadas e picadas
200 ml de vinagre balsâmico

ice cream bar

Misture os pedaços de foie gras com o Calvados, o açúcar, o sal e a pimenta. Marine por 24 horas. Cozinhe em uma embalagem a vácuo (60°C) por 30 minutos. Retire da embalagem e molde como terrines. Esfrie e prense as terrines com um peso. Leve à geladeira por 3 dias. Corte as terrines em retângulos de 6 cm x 4 cm. Com uma espátula, retire um pouco do foie gras do centro de cada pedaço e recheie com um pouco do balsâmico. Torne a fechar com o foie gras retirado e nivele com a espátula. Finque um palito na base, como um sorvete. Empane os “sorvetes” com as amêndoas e avelãs misturadas.

dica do chef

Utilize balsâmico envelhecido que traz um sabor mais complexo ao prato

rendimento 20 porções; execução moderada; preparo 1h30 (+4 dias de pré-preparo)

*Trecho de reportagem publicada na edição 115