Por Suzana Barelli

Na história do vinho moderno, certamente cabe um capítulo para contar a sagra da vinícola Gravner. Localizada no norte da Itália, fronteira com a Eslovênia, e com metade dos vinhedos em cada país, esta vinícola familiar colocou as antigas ânforas de barro em destaque e mostrou que a maneira ancestral de elaborar vinhos, sem a utilização de qualquer química, no vinhedo e na vinícola, e com as uvas fermentando junto com as cascas, deve, ao menos, ser respeitada. E, por que não, seguida. Nesta saga, o personagem principal é Josko Gravnier, o patriarca, que ousou contrariar as regras vigentes da indústria do vinho na década de 1990.

Cabe à Mateja Gravnier, uma de suas filhas, divulgar esta história. Responsável pelo marketing e o comercial da vinícola familiar, ela viaja o mundo contando a história da vinícola e observando os consumidores. “É preciso conversar com as pessoas, entender como elas percebem o nosso vinho”, me contou ela quando passou pelo Brasil em 2016. Ela veio para cá para participar da feira Naturebas, que reúne produtores que elaboram vinhos naturais, orgânicos ou biodinâmicos. Na ocasião, ela contou que se surpreendeu na maneira como os brasileiros recebem bem os seus vinhos, apelidados de laranja, para desespero do seu pai, Josko. “Em vários mercados, as pessoas têm interesse, mas nem sempre apreciam o sabor dos nossos vinhos”, contou ela.

Na vinícola, as uvas fermentam em 46 ânforas, que estão enterradas no solo. São potes de terracota adquiridos na Georgia, onde o vinho surgiu. Na década de 1990, Josko Gravnier estava inconformado com os seus vinhos, apesar de eles fazem muito sucesso com os consumidores. Sentia, entre outras coisas, que o vinho não lembrava a uva que lhe havia dado origem. Em 1996, decidiu elaborar o ribolla (a sua uva branca autóctone) de quatro maneiras distintas: com e sem levedura selecionada e fermentando com e sem as cascas. O resultado do branco fermentado sem a adição de leveduras e com as cascas lhe fez apostar no novo caminho, nesta volta ao passado. Mas agora com todo o conhecimento de enologia.

E é esta história que Mateja leva ao mundo e também aos que visitam a vinícola, enquanto Josko e sua irmã Jana cuidam mais dos vinhos e dos vinhedos. Conta também das suas lembranças na casa de família, erguida em 1901, e que funcionou como um hospital improvisado durante a primeira Guerra Mundial.

À propósito, o termo laranja, cunhado nos Estados Unidos para classificar estes vinhos, não é bem visto pela família. Como os vinhos são fermentados e ficam em contato com as cascas nas ânforas, eles ganham uma coloração âmbar ao contrário dos brancos que conhecemos. A restrição ao laranja é que o termo designa uma moda, e Mateja tem certeza que sua história não é uma moda, mas uma nova maneira de pensar os vinhos.