Por Suzana Barelli

Dizem que a primeira confraria ninguém esquece. É verdade, mas, no meu caso, é inesquecível também o momento em que surgiu a ideia de ter a minha primeira confraria. Oito ou nove anos atrás, fui convidada para assistir a um encontro da Confraria dos Enófilos do Alentejo, em São Paulo. Não sabia muito como seria o evento, mas tinha muita curiosidade sobre os vinhos desta região portuguesa – na época, principalmente sobre seus tintos. O evento começa com a entrada no salão de um grupo de 10 ou 12 homens, todos vestidos com um capote alentejano, um chapéu abeiro e seu taste-vin. Todos orgulhosos de estar lá, vestindo aquela roupa que mais lembra o período medieval e que me parecia tão quente para o clima brasileiro (veja a imagem ao lado).

Foi neste jantar que uma amiga, a Cris Bieleck, me convidou para formarmos uma confraria só de mulheres. Convidamos outras pessoas ligadas, de alguma maneira, ao mundo do vinho e da gastronomia, e assim nascia o “Caos”, minha primeira confraria. Confesso que esta confraria já foi mais organizada, que os vinhos já foram levados mais a sério em nossos encontros, com ficha de degustação e tudo mais. Hoje, o vinho não é o assunto central deste grupo, apesar de estar sempre presente. Na verdade, o Caos hoje é um grupo de grandes e verdadeiras amigas.

Temos, enfim, o mesmo sentimento de grupo que percebi naquele encontro alentejano, que julgava ser um grupo apenas de homens, de confrades. Nada de confreiras, uma palavra que me parece não soar bem no feminino. Talvez por isso, fiquei tão surpresa ao receber um convite de Portugal, justamente de uma mulher (a Dora Simões), para ser confrade do Alentejo. Aceitei na hora e já me via, orgulhosa, com aquela roupa marrom, morrendo de calor nos encontros do grupo.

A entronização aconteceu em Évora, no Alentejo. O palco foi o salão de um museu, localizado bem ao lado do Templo de Diana, uma construção da época do império romano, que me emociona cada vez que vejo (é como se fosse uma aula de história viva) e é um dos marcos da cidade. Ao chegar ao evento, logo fui conduzida a um local em que os futuros confrades faziam a prova da sua roupa e do chapéu – em 2010, estavam sendo entronizados sete pessoas, sendo três brasileiros.

A solenidade começou logo depois. O presidente da confraria anunciava o nome do novo confrade e o seu currículo, enquanto o entronizado percorria o salão até o pequeno palco. Lá, éramos vestidos com o capote e o chapéu e recebíamos o taste-vin, instrumento que no passado foi muito usado para provar os vinhos antes de servi-lo aos convidados. É, até hoje, um símbolo dos sommeliers. No final, com todos os novos confrades com a sua vestimenta, fizemos o juramento de defender os vinhos do Alentejo. E estreamos o taste-vin, com um tinto alentejano.

Foi assim que me tornei a mais nova confrade do Alentejo, em novembro deste ano. Ainda no palco, recebi cumprimentos de pessoas que fazem alguns dos grandes vinhos da região e que agora são meus confrades. O enólogo Paulo Laureano foi um deles – sim, o responsável por moldar o Mouchão 3-4, um dos grandes vinhos locais, desembarcou de uma viagem aos Estados Unidos diretamente para o evento. Na mesma noite, já fui convidada para um evento da confraria em São Paulo. E soube que o capote marrom é vestimenta obrigatória nestes encontros. Ainda bem que descobri que ela não é tão quente assim.