02/10/2019 - 15:00
por Suzana Barelli
No região sudeste da França, numa paisagem de plantações de lavanda, planícies e montanhas, e com o mar mediterrâneo como fronteira, está a Provence, um dos mais famosos destinos turísticos desse país europeu e também uma das poucas áreas vinícolas onde reinam os vinhos rosés. A gastronomia, fortemente ligada ao mar, e o clima quente, com uma média de
3 mil horas de sol por ano e poucas chuvas, ajuda a explicar o sucesso dos rosados, um vinho seco, leve, com pouquíssimos taninos, fresco e capaz de combinar com receitas de frutos do mar.
Na Provence, os rosados nascem a partir da prensagem de diversas uvas tintas, que lá chegaram pela sua rica colonização ao longo dos séculos. A começar pelas chamadas variedades mediterrâneas, como grenache e cinsault, e também por uvas mais potentes, digamos assim, como a cabernet sauvignon. A diversidade de uvas para esse estilo de vinho provençal (nessa área é permitido o cultivo de mais de dez uvas diferentes) não é uma marca apenas da região. Ao longo do mapa-múndi do vinho, o rosé é elaborado por uma ampla variedade de uvas, da grega agiorgitiko até a potente e tânica tannat, e de regiões.
O que vem mudando nos rosados, e explica o seu consumo crescente, é a melhora em sua qualidade, e não apenas na Provence. Deve-se a isso, primeiro, uma mudança na maneira de elaborar o vinho. No passado, não raro, os rosados nasciam da necessidade de concentrar os vinhos tintos. Eram feitos pelo método de sangria, da redução da quantidade de líquido dos tintos. Podia-se dizer que os rosados eram quase um subproduto dos tintos, elaborados naquelas safras de clima ruim, em que era preciso concentrar os tintos.
Atualmente, as uvas crescem nos vinhedos já sabendo que darão origem a esse estilo de vinho. São colhidas, em geral, quando ainda tem boa acidez e jamais sobremaduras. Ao chegar na vinícola, os enólogos já sabem o destino dessas uvas.
Ou são resfriadas para depois serem maceradas ou vão imediatamente para os tanques onde serão maceradas. Suco e películas ficam juntos, em contato por um curto período de tempo, em um ambiente de temperatura controlada e fria. É esse breve tempo de contato, junto com a variedade de uva utilizada, que serão os principais responsáveis pela cor do vinho. Se esse tempo for mais longo, como mais de um dia, o vinho será mais escuro e também mais concentrado, em antocianos, taninos e outros compostos fenólicos presentes na casca da uva. Se o contato entre casca e líquido for curto – quatro ou seis horas muitas vezes são suficientes –, o vinho tende a ter uma cor rosa-clara, muitas vezes definida como cor de casca de cebola, e também ser mais leve, com pouquíssimos taninos.
A partir da prensagem e da separação do líquido e da casca, os rosés são vinificados como brancos. E aqui explica-se a segunda razão de aumento de qualidade desses vinhos. Atualmente há maior acesso à tecnologia, o que significa prensas de qualidade, tanques com controle de temperatura, entre outros ganhos tecnológicos, que garante maior precisão no processo de elaborar o vinho. Terminada a fermentação, os rosados ficam em tanques, em geral de inox, e depois são engarrafados. Elaborados dessa maneira, são vinhos que dificilmente envelhecem por muitos anos na garrafa. São pensados para um consumo mais imediato. E essa regra vale não apenas para os vinhos da Provence, mas também para os demais rosados do sul da França – Loire, com o seu Rosé D’anjou, Languedoc e Roussillon são também boas regiões produtoras desse vinho – e de todo o mundo.
A exceção a essa regra são os champanhes. O mais conhecido espumante francês é uma das poucas denominações de origem controlada (DOC) em que a legislação permite misturar vinhos brancos e tintos para elaborar um rosado. É essa mistura de vinhos, em geral de um pinot noir, vinificado como tinto, com os vinhos-base, de uvas tintas ou brancas, porém vinificadas como brancas (sem ter contato com as cascas), que dá origem aos champanhes rosés. Mas, nos demais espumantes ao redor do mundo, a maioria dos rosés são elaborados com vinhos-base já de coloração rosada, pelo contato das uvas tintas com o mosto.
Uma história na Provenc
Quando chegou à Provence, no final do século 19, o francês Marcel Ott, um engenheiro agrônomo, formado na Alsácia, não podia imaginar que criaria uma referência entre os rosados da região. Os vinhedos locais estavam destruídos, atacados pela filoxera, praga que atingiu as plantações europeias. Mas o jovem gostou dessa região mediterrânea e decidiu se estabelecer por lá. A Domaines Ott, hoje uma propriedade da Louis Roederer, nasceu em 1912.
Marcel Ott começou com o vinhedo de Château de Selle, de onde até hoje nascem os seus rosados premium. Nos anos 1930, comprou o Clos Mireille, uma construção beneditina na mesma região. Nesta década ainda, ele decidiu desenhar a sua própria garrafa de vinho, inspirada nas ânforas e também nas colinas da região. Arredondada e mais alta, as garrafas da Domaines Ott são sua marca desde essa época. Na década de 1950, seus herdeiros adquiriram o Château Romassan, em Badol.
Atualmente na quarta geração, a domaine segue os preceitos orgânicos no cultivo do vinhedo. Na Côte de Provence, elabora um rosado e um tinto, no Château de Selle; e um rosado e um blanc de blanc, aqui com a sémillon, no Clos Mireille. No Château Romassan, em Bandol, tem também um rosé e um tinto. A domaine Ott tem ainda a linha By.Ott, de vinhos de preço mais acessível.
Na degustação dos rosados, temos de considerar o novo patamar que esses vinhos alcançaram. É certo que o rosé mais adoçado do passado não desapareceu, e sim se tornou uma parte da gama de estilos, que “serve” a esse ou àquele propósito, variando desde a elaboração de um coquetel com um rosado despretensioso até uma elegante harmonização enogastronômica com um vinho mais complexo.
Na própria França, os rosés de Provence se diferem daqueles originados no Languedoc ou mesmo em Bordeaux, por exemplo. Os primeiros se caracterizam pela coloração salmão bem clara, enquanto o Bordeaux, antigamente chamados de claret, se expressa quase como um tinto muito claro.
Países como Itália, Espanha e Portugal produzem grandes exemplares de rosados, porém com maior extração de cor em geral, e dependendo da adoção ou não do estágio em barricas de carvalho, mais complexidade.
que deve ser comum a todos os melhores rosados é o equilíbrio entre o frescor, a acidez e a fruta. Essas características tornam o rosé uma carta na manga na escolha de quem procura frescor, mas não abre mão do “peso” maior no vinho, que remete ao tinto. E isso é um caminho, também para a sua harmonização à mesa: os rosados acompanham pratos com alguma complexidade, como carnes de porco e de frango, molhos rosados entre outras receitas.