19/09/2013 - 16:47
Por Suzana Barelli
Apostar na sabedoria destas vinhas me parece ainda mais sábio quando sou colocada no desafio de criar o blend de um vinho. Viver na prática uma parte do trabalho do enólogo desafia. Revela a dificuldade de mesclar vinhos, muitas vezes recém fermentados, e dali conseguir uma bebida melhor e mais complexa do que num varietal. E este foi um dos desafios de um grupo de jornalistas que visitou o Douro na semana passada. Fomos divididos em quatro grupos: o brasileiro, formado por Ricardo Castilho e por mim, o anglo-saxão, com dois jornalistas desta região do globo, outro com dois holandeses, e um feminino, formado por duas austríacas e uma chinesa de Hong Kong.
Francisco Ferreira, enólogo da Quinta do Vallado, propós dois desafios. No primeiro, cinco tintos foram colocados em nossa frente e tínhamos de adivinhar qual amostra correspondia a qual vinho, todos retirados no início daquela manhã das barricas onde estão envelhecendo. Era uma touriga nacional, um “field blend” de touriga nacional e touriga franca, um sousão, um vinhas velhas (plantado com diversas variedades, todas misturadas) e um penetra – uma variedade não típica do Douro que o Vallado plantou.
O grupo brasileiro errou feio nesta primeira bateria. Só acertamos o sousão, que tem uma cor e uma acidez bem marcante e que a variedade penetra era a syrah. Nem o floral da touriga nós reconhecemos com precisão, já que as vinhas velhas também têm touriga. No resultado, deu empate entre as mulheres e os anglo-saxãos.
A segunda etapa era, a partir destas mesmas amostras na nossa frente, fazer o blend que se mais se assemelhava ao do Quinta do Vallado Vinhas Velhas. Sabíamos quais eram as uvas que compõem o vinho – apenas a syrah não entra – e tínhamos como parâmetro o vinho pronto, servido numa outra garrafa. Fácil? Não exatamente. Primeiro, o bom-senso manda ir para a teoria: sabíamos que a vinha velha é majoritária, que o enólogo gosta de touriga, e que a sousão dá um toque especial no final.
Mas, na prática, muitas dúvidas. Primeiro o que é majoritário? 50%, 60% ou mais? O primeiro teste prático, colocado no tubo de ensaio – sim, estávamos também virando químicos – tinha metade de vinhas velhas, 10% de sousão e o restante de tourigas. Ficou, na minha opinião “modesta” um bom vinho, mas que em nada parecia com a nossa amostra de referência. Decidimos aumentar as vinhas velhas para 60% e reduzir a touriga. Também não deu certo.
Terceira tentativa: 70% das vinhas velhas e os 30% divididos em partes iguais entre os outros vinhos. Nosso blend ficou o mais perto da referência, mas o grupo feminino chegou bem perto e, como já tinha ganhado o primeiro desafio, ganhou, justamente. O vinho tem 70% de vinhas velhas, 27% das tourigas e 3% da sousão. A lição do dia foi perceber que pequenas porcentagens, como os 3% de sousão, podem fazer a diferença. Isso explica, por exemplo, a petit verdot, em Bordeaux, bem usada em pequenas doses, e marcantes.
Em tempo: nas minhas outras brincadeiras de enóloga, em viagens pelas vinícolas, sempre tive de fazer meu próprio blend, em geral, a partir de amostras de vinhos varietais em barricas. E, ao menos até agora, nunca gostei do resultado final. Quem sabe um dia eu chego lá.