13/02/2019 - 22:00
Por Paulo Machado
Em 2011, a embaixada do Brasil em Adis Abeba convidou a chef Mara Salles para fazer o 1o Festival de Cozinha Brasileira na Etiópia. Mas ela não foi sozinha: para compor sua comitiva, ela escolheu a mim e ao chef Eduardo Duó.
Nossas malas foram lotadas de pimentas, diferentes tipos de farinha de mandioca e leite condensado, com destino ao restaurane Kurifitu Diplomat, na capital do país, onde aconteceria o evento. Já haviam nos avisado que não encontraríamos muitos ingredientes do Novo Mundo por lá. Dito e feito: em comum com nossa cozinha, só a alegria e o colorido, além do amor pelo café, sua terra de origem. A comida principal dos etíopes se resume a preparos com o nutritivo teff, o menor grão do mundo. Entre eles, a injera, uma panqueca grande, fofa e fermentada, a qual se come com as mãos e é recheada com um guisado de frango ou miúdos de cabra ou carneiro quase crus, temperados com especiarias (berbere) e legumes. Exótica e bem diferente do nosso arroz e feijão diário! Mas a Etiópia tem riqueza cultural preciosa e o povo, orgulhoso de ser uma das nações mais antigas da humanidade, não carrega mais o estigma da miséria vivida durante a ditadura militar nos anos 1980.
A expectativa para o festival era a de que apresentássemos o churrasco. Mas Mara optou por um menu bem diversificado, para mostrar um pouco de cada região emblemática do Brasil. Da cozinha saíram as moquequinhas à Dona Dêga Salles em belíssimas panelas de barro que encontramos por lá, o barreado sem carne de porco (que é embargada por aquelas bandas) com farinha poenta (bem fininha) do Paraná e banana grelhada, e um delicioso e muito trabalhoso atolado de cabrito. O animal chegou inteiro e tivemos de eviscerá-lo, atividade que, pelo hábito dos cozinheiros etíopes, começava no piso da cozinha. Então limpamos toda a carne, retiramos as glândulas, lavamos bem e deixamos na panela de pressão para o bichinho ficar macio. Duó se encarregou dos temperos, que resultaram numa deliciosa combinação de especiarias, remetendo aos melhores guisados que já provei no sertão do Nordeste. E o público, para nossa felicidade, se refestelou.
Hoje me lembro com saudades de avistarmos, do alto do salão do restaurante, o pastor passeando pela rua com as cabras e ovelhas no meio da cidade, e comentávamos, extasiados: amanhã, é uma daquelas que sobe aqui para a cozinha.