03/12/2019 - 17:00
Quando muitos pais recebem a notícia que seu bebê é portador da síndrome de Down, inúmeras questões aparecem. Uma das maiores preocupações, no entanto, é em relação à autonomia que terá na vida adulta. Afinal, querem que os filhos evoluam com independência. E muitos encontram na gastronomia uma forma de se desenvolver.
Por isso não faltam orgulho e alegria à Lidia Camargo quando vê sua filha Luiza, de 21 anos, lidar com as panelas. No fim de 2018, as habilidades da jovem, portadora da síndrome, foram registradas no Menu da Luiza, livro de receitas com a participação e o apoio de nomes importantes da gastronomia brasileira, como Henrique Fogaça, Dani Padalino e Arthur Sauer.
Mas o caminho não foi fácil para Luiza chegar onde está. Lidia sempre buscou formas de inserir a filha nos colégios e fornecer uma educação formal. Apesar dos incentivos dentro de casa, o processo sempre foi doloroso e frustrante. “Eu tirei a Luiza da escola na 7ª série. Ela ia para lá chorando porque sabia que não ia fazer nada e voltava chorando porque não fazia nada mesmo.”
Nessa época, Luiza já tinha desenvolvido interesse pela culinária e adorava assistir programas na TV, além de ajudar a mãe na cozinha e observar a vó Nena, com seus – agora famosos – bolinhos de chuva. No meio da luta escolar diária, Lidia conheceu o Instituto Chefs Especiais, em São Paulo, e não perdeu tempo: inscreveu a filha e, no mesmo dia em que recebeu a ligação convidando para participar das aulas, cancelou a matrícula da escola tradicional.
“Foi quando tudo mudou. Eu lembro da primeira aula que ela veio, que era de sanduíches, na época de Dia das Mães. Daquela aula em diante a Luiza se transformou. Eu tirei mesmo da escola, porque eu acho que o importante é ser feliz”, conta a orgulhosa mãe. Luiza é certeira quando relata o que mudou em sua vida: “Eu me sentia estranha, fora do lugar. Agora eu tenho amigos, fico rindo muito e estou feliz”, conta ela.
Essa sensação de felicidade, transmitida por pais e alunos, é como se fosse um alimento na vida de Simone Lozano, fundadora do Instituto Chefs Especiais. Advogada por formação, Simone resolveu dedicar mais tempo para causas sociais e percebeu a falta de projetos voltados para atender portadores de Down. “A culinária é uma forma de autonomia, porque a gente usa no dia a dia. O objetivo do instituto é esse. Onde quer que eles estejam, eles podem ter uma atividade, seja ensinando ou atuando, e isso gera autoestima, eles se sentem úteis”, explica Simone. Essa necessidade de autonomia por parte do portador da síndrome se dá devido ao aumento na expectativa de vida: de 20 a 30 anos em 1980, ela passou para 60 a 70 anos atualmente.
As histórias positivas que Simone tem para contar são inúmeras, desde notáveis transformações no convívio social até pedidos de médicos para que os pacientes não interrompessem as atividades no instituto, apesar da ausência de psicólogos, psicopedagogos e profissionais de saúde em geral no espaço. Segundo ela, a ideia era ser apenas uma escola, sem as amarras que um grupo médico poderia trazer.
Fundado em 2006, o instituto hoje recebe cerca de 300 alunos por ano e é uma escola de gastronomia como qualquer outra: aulas de panificação, confeitaria e culinária, treinamento de garçom, cursos livres, com direito a certificados e também broncas.
Voluntário do projeto há seis anos, o chef Guga Rocha não economiza nos elogios aos alunos: “Eles são muito capazes e são sensacionais, são seres humanos que cativam todo mundo e ficam muito orgulhosos do trabalho que fazem.” E acrescenta: “Eu dou bronca, trato normalmente, como se fossem funcionários de cozinha. A gente fala profissionalmente com eles e eles gostam.”
Um dos diferenciais da escola é justamente o tratamento com os alunos. Existem adaptações para atender às necessidades, como facas especiais chinesas, feitas de plástico, que cortam tudo menos carnes, e módulos de cursos de acordo com a intimidade que cada um tem com utensílios e receitas.
Como complemento do instituto, há o Chefs Especiais Café, cafeteria comandada pelos alunos que atuam como garçons, padeiros, baristas e atendentes. Também são promovidos eventos com empresas e até mesmo na movimentada Avenida Paulista, tudo com o intuito de disseminar informação e inclusão.
Mesmo não sendo o objetivo primário, o mercado de trabalho para profissionais com Síndrome de Down é uma realidade repleta de pontos positivos. “Qualquer lugar que eles trabalham eles humanizam. Porque eles são carinhosos, demonstram sentimentos”, ressalta Simone, que ainda cita o grupo GRSA e o Google como exemplo de empresas que contrataram chefs especiais.
“Você tem que contratar um chef especial pela capacidade que ele tem de unir as pessoas, de tornar o ambiente gostoso, de difundir amor. Quando eles vão fazer um canapé é com muito carinho e com muita dedicação”, conta Guga Rocha, sempre orgulhoso dos alunos para os quais já deu aula. Rocha, aliás, é um dos queridinhos de Luiza – o ceviche, receita dele que está no livro e foi preparado por ela, é o prato favorito da jovem cozinheira.
Para Lidia, a aceitação dentro de casa, aliada ao apoio do instituto, foram fundamentais para a realização da filha: “Tem que acreditar neles, porque eles são capazes. Se eu não acreditar nela, ninguém mais vai.”
Instituto Chefs Especiais
rua Catanduva,
132 – Perdizes
(11) 2638-7478 –
São Paulo – SP
chefsespeciais.wixsite.com/chefs
Chefs Especiais Café
rua Augusta, 2.559 – Cerqueira César
(11) 99122-7780 – São Paulo – SP
Menu da Luiza –
Luiza Camargo – Editora Biografia
(72 págs.) – R$ 59,90