O pão de Páscoa já devorado com manteiga e geleia

Por Beatriz Marques

Depois do bacalhau em lascas com batatas e cebolas caramelizadas na Sexta-feira Santa, era a vez do pão de Páscoa assar no forno durante o Sábado de Aleluia. Esses sabores sempre se repetiam nesta época, desde que minha memória gustativa passou a registrar os momentos de cozinha com minha mãe, Lisete.

Infelizmente ela se foi há dois anos e seis meses. E a Páscoa, assim como o Natal, o Dia das Mães e todas as datas comemorativas ficaram tristes, por não termos mais a felicidade de compartilharmos tão deliciosos momentos.

Porém, este sábado foi um pouco diferente. Minha irmã Manuela teve a ótima ideia de fazermos o tradicional pão de Páscoa e rememorar aquele cheiro aconchegante que saía do forno de minha mãe.

A receita era de meu avô português, que – quase um pleonasmo – era padeiro, em um tempo em que padaria só tinha pão para vender. Minha mãe herdou a boa mão da família e sempre preparava com esmero e carinho fornadas e mais fornadas, que eram esperadas com ansiedade pelas amigas – ela fazia questão de entregar pessoalmente sua criação a cada uma delas.

Durante o preparo, era comum minha irmã e eu sermos convocadas para cozinha depois da massa crescida, para dar nossos formatos ao pão antes de ir ao forno. Meia-lua era o preferido de minha mãe. As letras iniciais de nossos nomes e outras figuras bizarras estavam no repertório das crianças, que se divertiam ao ver que a forma se perdia quando o pão ganhava vida no forno.

Com a mão "literalmente" na massa

Hoje resolvemos reviver esses momentos alegres ao reproduzir a receita, escrita à caneta no final do livro “Dona Benta – Comer Bem – 1001 receitas de bons pratos”, da Companhia Editora Nacional. A obra, comprada em 1971 (era a 51ª edição!), continha páginas em branco, onde minha mãe anotava as receitas trocadas entre as comadres, hábito tão comum na época.

Fizemos algumas adaptações necessárias – o “claybon” registrado na receita deu lugar a uma boa manteiga sem sal -, e logo colocamos a mão, literalmente, na massa. Enquanto aguardávamos o fermento reagir, colocamos o papo em dia e relembramos alguns momentos que fizeram parte da antiga rotina de Páscoa. Já no forno, o cheiro do pão foi invadindo minha casa, como se fosse possível transformar o passado em presente. Não tardou para a primeira fornada sair e, munidas de manteiga e geleia de saúco (um frutinha vermelha dos Andes), devoramos algumas fatias do pão, acompanhadas de leite com chocolate batido.

Reproduzo aqui fielmente as palavras de minha mãe. Com elas, foi possível trazer à tona sabores de um tempo que não volta mais, mas que nunca serão apagados da nossa memória. Espero que vocês possam também compartilhar bons momentos ao preparar este delicado pão em casa.

O pão quentinho, assim que saiu do forno

Bolos de Páscoa (nunca foi um bolo, mas assim estava escrito…)

1 kg de farinha de trigo

10 ovos inteiros

1 claybom (100 g) (aqui, troque por manteiga sem sal)

1 colher (chá) de canela em pó

1 copo de açúcar

1 copo de azeite (mal cheio)

½ cálice de cachaça

1 colher (chá) de sal

50 gramas de fermento (de padaria)

Bater todos os ingredientes, sendo a farinha por último amassando com as mãos. Deixar a massa descansar por uma hora. Formar os bolos e colocar em tabuleiro untado e enfarinhado, e deixar descansar mais 20 minutos. Levar ao forno. (Preaqueça o forno a 200ºC e deixe cada pão por cerca de 40 minutos ou até ficar douradinho por fora. Se preferir, antes de assar, pincele cada pão com gema de ovo e acrescenter açúcar cristal para realçar sua doçura).