por Suzana Barelli

Quase impossível separar o nome de Anselmo Mendes dos alvarinhos, a variedade portuguesa que ele tão bem transforma em vinhos. Mas Mendes também elabora vinhos no Brasil, como consultor de duas vinícolas, a Quinta da Neve, em Santa Catarina, e a Hermann, no Rio Grande do Sul. Dessa experiência, ele tem as suas próprias opiniões sobre os nossos vinhos. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista sobre os enólogos estrangeiros no vinho brasileiro, realizada para a reportagem da revista Menu sobre esse tema, publicada em outubro (edição 211).

Qual era o seu conhecimento sobre o Brasil quando começou a trabalhar por aqui?

Em 2001 o meu conhecimento sobre vinhos brasileiros era quase nulo. Contudo em Bento Gonçalves (RS) estava em marcha uma revolução na viticultura, com mudanças nos sistemas de condução e nas variedades para melhorar a maturação.
O espumante já tinha conquistador algum respeito dos brasileiros e hoje é um valor seguro da viticultura.

Como você começou a trabalhar com os vinhos brasileiros?

Em 2001, o Adolar (Herman, dono da Decanter, que importa seus vinhos para o Brasil) me convidou para visitar algumas vinícolas em Bento Gonçalves (RS). Nessa visita, ele me contou do projeto Quinta da Neve em São Joaquim (SC). Logo fomos visitar as primeiras vinhas e os ensaios de múltiplas variedades portuguesas, italianas e francesas lá plantadas. 
Fiquei entusiasmado e curioso pelo potencial da serra catarinense e contagiado pelo entusiasmo do Adolar e seus sócios e ainda pelo conhecimento do agrônomo João Carlos Souza Palma Junior. 
O convite para trabalhar com eles surgiu e até hoje estudamos diferentes variedades, afinamos técnicas vitícolas e enológicas. Mais tarde entrou um novo enólogo, o Átila Zavarizze, um jovem talento da enologia brasileira que me acompanhou numa vindima em Portugal.
 Mais tarde, a família Herman fez-me o desafio para desenvolver o projeto em Pinheiro Machado, na serra do Sudeste, onde há uma vinha adulta com a minha variedade, a alvarinho.

Quais as principais dificuldades que você enfrentou nesse período?

Algumas dificuldades se colocaram. Enquanto o conhecimento enológico progredia rapidamente, o conhecimento de variedades e do terreno precisavam de mais tempo. No caso da serra catarinense, o solo é excelente, imprime originalidade ao vinho, mas a excessiva precipitação obriga a viticultura de precisão. 
A maior dificuldade era, e eu penso que ainda é, os brasileiros não acreditarem no potencial dos vinhos produzidos em território nacional. 
No meu entender, há potencial, mas falta investimento em investigação vitícola. Falta conhecimento aplicado às condições edafoclimáticas do sul do Brasil.

Como você analisa os vinhos brasileiros atualmente?

Os vinhos progrediram imensamente, porém muito mais na enologia do que na viticultura. Falta pragmatismo. Por vezes, as variedades são escolhidas mais por uma moda internacional do que por um verdadeiro potencial enológico. Exemplos: o cabernet sauvignon dominou a serra catarinense porque o mercado pedia o cabernet sauvignon. No entanto, parece-me que a região é um excelente terroir para brancos, e a sauvignon blanc mostrou isso. A pinot noir tem muito caráter, mas dá um grande vinho por década.

Quais as variedades que o Brasil deveria apostar?

Os vinhos míticos da Quinta da Neve foram o Pinot Noir e o Chardonnay. Hoje as variedades com elevado potencial são a sauvignon blanc, a sangiovese, a touriga nacional e a montepulciano. O cabernet sauvignon foi um erro que todos cometemos na serra.

Qual a maior dificuldade para um enólogo estrangeiro fazer vinho no Brasil?

Um enólogo estrangeiro só terá êxito se for um conhecedor da viticultura. Para um europeu, o pior inimigo é a distância. 
O entusiasmo e paixão que os brasileiros colocam no que fazem é extraordinário, mas no negócio do vinho tem de haver equilíbrio entre a razão e a paixão. O balanço é positivo pois há mais oportunidades do que dificuldades para um enólogo estrangeiro.

Quais os diferenciais de um enólogo estrangeiro?

Os enólogos estrangeiros trazem conhecimento e experiência, mas a adaptação a novas situações requer bom senso e muito estudo. 
A viticultura brasileira está numa fase de descoberta, mas a margem de progressão é enorme e ainda existem muitos terroirs por descobrir nesse país onde existe tudo para dar certo.