por Cintia Oliveira, de Ilhéus (BA)*

“Sob o sol, os grãos de cacau que secam viram brasas acesas e sobre estas brasas dançam os homens, revolvendo-as para que o cacau seja cacau ‘superior’”, escreveu Jorge Amado (1912 -2001) em São Jorge de Ilhéus (1944), um entre os seus inúmeros romances que retratam a fase áurea da cultura cacaueira no sul da Bahia. Infelizmente, sabemos que a continuação dessa história gloriosa, que até meados da década de 1920 posicionou o Brasil como o maior produtor de cacau no mundo, não é tão feliz: a chegada do fungo Crinipellis perniciosa, ou vassoura-de-bruxa, em 1989, dizimou as lavouras da região.

Mas, de uma década para cá, esse roteiro ganhou um novo capítulo: produtores da região têm dedicado parte de sua produção para o chocolate de origem. “Passamos boa parte da década de 1990 lamentando os prejuízos. Até que vimos no movimento bean-to-bar (da amêndoa para a barra), na Califórnia (EUA), uma possibilidade para driblar a crise. Mas, no nosso caso, é tree-to-bar (da árvore para a barra)”, conta o produtor Gerson Marques, da Fazenda Yrerê, nos arredores de Ilhéus (BA).

Sem dúvida, o divisor de águas foi em 2009, quando uma comissão formada por produtores da região foi ao Le Salon du Chocolat, uma das feiras de chocolate mais importantes do mundo, na França, e viu que o cacau brasileiro podia ir além da commodity. Tanto que, no ano seguinte, o cacau da Fazenda João Tavares foi considerado o melhor do mundo. “Os europeus sempre consideraram o nosso cacau ‘ordinário’, por características como amargor, acidez e adstringência. Mas sempre tivemos uma amêndoa de qualidade superior”, afirma Ricardo Mororó, gerente geral da Mendoá, em Ilhéus. Ele, que foi técnico da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) por cerca de quatro décadas, acredita que o desenvolvimento tecnológico ajudou a tornar o cacau da região superior. “Embora o Brasil tenha perdido a liderança, durante anos investimos em tecnologia, tanto para melhorar a cadeia produtiva quanto para que os fazendeiros pudessem produzir o seu chocolate”, diz Mororó.

Ricardo Mororó: em 40 anos participou de diversos projetos que fomentaram o desenvolvimento do mercado cacaueiro

Atualmente, há 42 marcas de chocolate na região, 18 delas reunidas na Associação de Produtores de Cacau e Chocolate Mata Atlântica Sul Bahia, fundada no ano passado. “Além de promover e fazer o marketing de nosso produto, criamos uma comissão multidisciplinar para certificar os chocolates da região. A nossa preocupação é preservar a sua qualidade”, afirma o proprietário da Fazenda Yrerê, que preside a entidade. Entre os critérios que serão levados em conta para a obtenção do selo, que entrará em vigor no fim do ano, o chocolate deverá ser produzido com cacau do sul da Bahia, apenas por fábricas credenciadas pela entidade e terá que ter, no mínimo, 60% de cacau.

Entre os associados, há produtores como Francisco Correia, que lançou em 2004 a marca Coroa Azul, de Ilhéus. Cerca de 5% de sua produção – o restante é vendido como commodity para grandes indústrias, assim como fazem todos os produtores de cacau da região – é destinada para a elaboração de um chocolate com 70% de cacau, que chega ao mercado ao custo de R$ 25 (100 gramas). Atualmente está presente na Bahia, nas regiões sul e Sudeste do País e, recentemente, conseguiu levar o seu produto para o Uruguai e os Estados Unidos. “Há uma tendência do consumidor em rastrear toda a cadeia produtiva do que consome. Como somos nós mesmos que produzimos nossas próprias amêndoas, é mais fácil ter controle do produto final”, afirma Correia.

A partir de agora, os produtores poderão contar com um auxílio e tanto: em março foi inaugurado em Ilhéus o Centro de Inovação do Cacau, um laboratório pertencente ao Parque Científico e Tecnológico do Sul da Bahia (PCTSul), criado em parceria com diversas instituições locais, que tem o objetivo de realizar análises físico-químicas de amêndoas de cacau da região. “Com isso, os fazendeiros e produtores terão a possibilidade de receber uma análise detalhada de cada lote, em diferentes etapas de fermentação, e melhorar a qualidade de seus produtos”, afirma o diretor técnico Cristiano Villela.

Embora apenas 5% do cacau da região sejam voltados para a produção de chocolate de origem, trata-se de um mercado promissor. “Enquanto um quilo de cacau vale cerca de R$ 10, um quilo de chocolate pode chegar a R$ 120. Sem dúvida, os empreendedores enxergam na produção de chocolate uma forma de agregar valor ao seu produto”, afirma Marco Lessa, presidente da Costa do Cacau Convention & Visitors Bureau e diretor do Festival Internacional do Chocolate e Cacau.

O processo de produção do chocolate, que começa no fruto e termina na barra

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* A jornalista viajou a convite do Festival Internacional do Chocolate e Cacau. E a reportagem foi publicada na edição 216