Por Esther Morel

Quando pensamos em harmonização com vinho, o mais comum é escolher o prato primeiro para depois um sommelier indicar o melhor rótulo. E quando essa lógica é invertida? Em muitos restaurantes, o vinho é o protagonista da refeição, e são os sabores do cardápio que precisam se encaixar nas características da bebida.

Essa importância, muitas vezes, é escancarada no próprio nome da casa. Mesmo que o termo “vinheria” nem exista na Língua Portuguesa, essa foi a melhor forma que Maria Graza e Luciano Percussi encontraram para traduzir o conceito da Vinheria Percussi, aberta em 1985, em São Paulo, e hoje tocada pelos filhos Silvia e Lamberto. “Aqui é como Romeu e Julieta: o vinho vai sempre permear a concepção dos nossos menus e acaba ganhando tanto ou mais importância do que a comida por conta dessa preocupação. No fim, ambos se completam”, conta Lamberto Percussi, responsável pelas bebidas. Até mesmo no menu executivo, com pratos mais simples da cozinha italiana, há sugestões de vinhos em taça pensados para acompanhar cada etapa, em um trabalho feito em sintonia com a chef Silvia.

O mesmo acontece com o Barolo Trattoria, que escolheu um vinho italiano icônico para dar identidade ao restaurante. Aberto há duas décadas em Curitiba, recentemente os sócios decidiram se arriscar no mercado paulistano. “O vinho quase significa tudo. É difícil pensar em uma casa como a nossa sem pensar nele, mas aqui em São Paulo optamos por enxugar a carta que tem 300 rótulos e agora, mesmo com seus 150, ainda é grande, em comparação a outros restaurantes”, conta Marcelo Magalhães, sócio da casa. Diante de tantas opções, é amplo o universo para harmonizar com os pratos italianos da casa, em casamentos que podem mudar conforme a estação do ano: um mesmo prato, como o conchiglie de camarões e gorgonzola, pode ter sugestão de brancos leves e refrescantes se estiver calor ou de brancos mais encorpados e amanteigados se for no inverno.

Claro que só deixar óbvia a conexão do vinho com a casa no nome não é suficiente para que a cultura da bebida se consolide e o conceito se estabeleça na prática. Se a intenção é estimular um consumo de qualidade e que esteja integrado com o restaurante, o treinamento para toda a brigada precisa ser contínuo. Isso acontece porque o próprio estudo do vinho nunca acaba, mesmo para os mais entendidos do assunto. “Eu converso com meu sommelier e vamos montando a carta, dentro dos mais de 3 mil rótulos da loja que queremos trabalhar naquele trimestre. Mas sempre temos em mente o que vendeu mais, o que deu certo, para mantermos, se for o caso”, explica Jeremias La Pastina, sócio do restaurante Enosteria, recentemente aberto em São Paulo e que tem por trás a importadora de vinhos World Wine.

“O serviço precisa entender o perfil do cliente, saber o que o cliente quer, para atender da melhor forma. Então, o aprendizado é constante, com produtores, convidados e cursos para toda a equipe”, pontua Magalhães, do Barolo. Em alguns casos, até viagens para vinícolas são programadas para treinamentos mais intensivos e aprofundados. “Temos funcionários que já foram a Espanha, Itália, Uruguai, Chile, Argentina. Com isso, a equipe vai ficando boa. Essas experiências fazem parte do processo de moldar o melhor serviço”, explica Lamberto. E na hora de levar todo esse conhecimento ao cliente, não é necessário despejá-lo em longas explicações durante o serviço. “Eu desencorajo a ‘palestra’ sobre vinho, pois pode muitas vezes afastar o cliente. A melhor forma de oferecer um bom atendimento é entender a necessidade de cada pessoa”, completa o sócio da Vinheria Percussi

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Os esforços em formar um público fiel de apreciadores do vinho também fazem parte da rotina desses restaurantes. E promover eventos é outra ferramenta usada para galgar tal objetivo: confrarias, jantares harmonizados e degustações são bem-vindos não apenas para divulgar, mas também para democratizar o consumo. Até o público mais jovem, nem sempre associado a esse mundo, acaba sendo atingido. A Enosteria, por exemplo, promove as Quartas de Jazz, com apresentação de banda sem cobrança de couvert artístico, e a Vinheria Percussi organiza música ao vivo na calçada, com vinhos em taças a um preço fixo, além de petiscos que podem abrir o apetite dos visitantes, para que fiquem no almoço.

Nesse processo de incentivo ao consumo, restaurantes que são ligados a uma importadora de vinhos podem trazer boas vantagens aos clientes, como reduzir o valor das garrafas durante as refeições, que pode chegar a 40% menor se comparado a outras casas. Normalmente as importadoras acoplam uma loja no mesmo espaço do restaurante. Na Enosteria, há um ponto de venda da World Wine e, desde sua abertura, há poucos meses, já foi notado um aumento de cerca de 30% nas vendas.
Comandada por Douglas Benatti, a cozinha da Enosteria tenta deixar o cardápio mais “neutro”, de modo que os pratos casem com qualquer um dos 20 vinhos que estão na adega climatizada. “A ideia de harmonização não pode ser forçada, é preciso abrir o leque para trazer mais combinações que agradem paladares distintos”, afirma o chef.

Apesar de ter uma proposta semelhante, a importadora Grand Cru trabalha em parcerias com restaurantes renomados, que passam a ter um pequeno exemplar das suas tradicionais cozinhas no mesmo espaço das lojas. É o caso do Tasquinha, inaugurado no primeiro semestre do ano, que levou apenas uma parte das criações do chef português Vítor Sobral (Tasca da Esquina). Segundo o restaurateur Edrey Momo, sócio de Sobral no Brasil, o objetivo é despertar as vantagens da harmonização nos clientes e deixar as opções amplas. “Todas as comidas na Europa são melhores com o vinho e, como temos essa origem portuguesa, essa parceria acaba unindo o útil ao agradável. Apesar de não termos todos os pratos da Tasca original, conseguimos dar uma amostra e ainda acrescentar dentro dessa proposta da loja, como a nossa tábua de queijos, feita para degustar com os vinhos”, explica o restaurateur.  Ampliar o potencial do vinho com a comida tem sido visto em outros restaurantes que têm parceria com a Grand Cru. “Nossa oferta com a proposta de valor reduzido das garrafas permite uma flexibilidade maior e abre espaço tanto para uma culinária portuguesa [Tasquinha] quanto para inovações, como o Extásia, com comida oriental, que nem sempre é associada ao vinho”, conta Luciano Kleiman, CEO da importadora.

Seja pelo tíquete médio mais baixo ou pelo mergulho neste universo de harmonizações, o vinho tem ainda muito espaço para brilhar, seja sozinho ou bem acompanhado.

Barolo Trattoria
Rua Padre João Manuel, 1.249, Jardins – São Paulo/SP – (11) 3064-3406
barolotrattoriasp.com.br

Enosteria
Rua Jaques Félix, 626, Vila Nova Conceição – São Paulo/SP – (11) 2774-1710
enosteria.com.br

Tasquinha
Morumbi Shopping – Av. Roque Petroni Júnior, 1.089, loja 234, Jardim das Acácias – São Paulo/SP
(11) 5181-2659
tascadaesquina.com

Vinheria Percussi
Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Pinheiros
São Paulo/SP
(11) 3088-4920
percussi.com.br