por Roberto Fonseca

Quem olha uma gôndola de loja/bar de cervejas especiais pela primeira vez, pode ter a impressão de que já passamos do “demais” há algum tempo. De fato, uma fatia considerável dos lançamentos no mercado brasileiro envolve India Pale Ales (IPAs) e suas variações. Mas quem trabalha com a bebida tem uma visão diferente.

Todo ano, organizo uma enquete com cervejeiros, produtores caseiros, sommeliers etc. Nesta edição, perguntei se consideravam que o mercado estava saturado de IPAs ou não. A maioria – cerca de 60% – respondeu que ainda havia muito espaço para o crescimento do estilo. Pode parecer surpreendente, mas é preciso fazer algumas considerações.

A primeira e mais importante: o público que consome cerveja artesanal ainda é muito pequeno (em torno de 2% do mercado). Ou seja, a grande maioria dos consumidores toma Light Lagers (a famosa “loura gelada”). A sensação de saturação estaria na “bolha” de quem já conhece cerveja, acompanha novidades e tem muitas “horas/copo”.

Além disso, quantidade não equivale a qualidade: há muitas IPAs no mercado, mas pouquíssimas que podem ser consideradas referência, a ponto de rivalizar com as norte-americanas. Em 2016, os aficionados por cerveja viram um bom duelo entre a Dogma, de São Paulo, e a Hocus Pocus, do Rio, com IPAs cada vez mais potentes no aroma e sabor de lúpulo. Outras marcas também fizeram bonito, mas ainda há muito espaço para melhorar IPAs apagadas, com pouca expressão de lúpulo, amargor áspero e malte em excesso.

Apesar de existirem tantas variações de IPAs quanto dedos nas mãos (English, American, Imperial, Black, White, Belgian, Session, Red, Brown, Rye), cervejeiros afirmam que o estilo está em constante renovação. Isso ocorre não apenas pelo uso de diferentes variedades de lúpulo, mas por mudanças nos processos, como nas turvas e suculentas New England IPAs.

Embora concorde com os argumentos dos participantes da enquete, um outro dado do mesmo levantamento serve de alerta: a maioria dos cervejeiros sabe indicar sua IPA favorita – e mais uma dezena de alternativas. Mas muito poucos conseguem lembrar quando foi a última vez em que tomaram Dunkels, Schwarzbiers ou Bocks. Como em tudo na vida, é preciso ter equilíbrio na “dieta cervejeira”.