por Cintia Oliveira 

Tudo indica que o uso do milho não é mais uma exclusividade da indústria cervejeira do País. Recentemente, pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), descobriram que o cereal substitui boa parte da soja, que serve como base do clássico molho oriental. Segundo a pesquisa, publicada no Journal of Food Composition and Analysis, mais de 70 amostras de shoyu produzido no País foram analisadas e, boa parte delas, chegavam a ter apenas 20% de soja. A conclusão do estudo causou um rebuliço no mercado gastronômico, principalmente por expor a baixa qualidade do molho de soja produzido no País.

Embora o uso do cereal seja permitido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o uso excessivo do milho pode comprometer a qualidade do produto final. “Ao utilizar muito mais milho do que soja, o produto vai conter menos aminoácidos, que são derivados da proteína da soja, e que conferem os aromas e sabores característicos do shoyu”, explica a especialista em cozinha japonesa, Marisa Ono. Já outros cereais como o trigo, por exemplo, são primordiais para um bom shoyu. “No Japão usam trigo, em menor escala, para trazer ao shoyu um pouco mais de álcool e acidez”, complementa Marisa.

A explicação para o uso do milho pode estar no fator preço: segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq, enquanto a saca (60 kg) de soja tem preço de venda de R$ 87,17, a do milho custa R$ 38,81. E como a legislação brasileira não limita a quantidade do cereal, fica sob o critério da indústria tomar esta decisão. “É como fazer ketchup sem tomate”, compara o chef Ken Mizumoto, do restaurante Shinzushi e do bar Yorimichi, ambos de São Paulo.

O shoyu de qualidade tem que ser mais claro, brilhante e quase translúcido (foto: reprodução/ iStock)

Por conta da qualidade do shoyu brasileiro, Mizumoto prefere as versões importadas do Japão. “Quando voltei ao Brasil, fiquei intrigado com o fato das pessoas mergulharem o sushi numa ‘piscina’ de shoyu. Mas só depois de provar inúmeras marcas, eu percebi que o shoyu brasileiro é muito doce. O japonês é mais ou menos salgado, de acordo com o tipo de shoyu, e tem que ser usado com cuidado”, afirma o chef do Shinzushi. Outros restaurantes japoneses, como o Kinoshita, de São Paulo, também preferem trabalhar com a versão importada. “O shoyu passa por um longo processo de fermentação, que traz sabor profundo ao molho, que chamamos de umami”, explica o chef japonês Satoshi Kaneko.

Mas, antes de tudo, é preciso separar o joio do trigo, ou, no caso do shoyu, o milho da soja. “Eu uso diversos tipos shoyu, de acordo com cada uma das receitas. Inclusive o nacional”, afirma a chef Telma Shiraishi, do restaurante Aizomê, de São Paulo. Para ela, antes de massacrar o shoyu brasileiro, é preciso compreender o contexto. “Seria o mesmo que renegar o trabalho das gerações dos meus avós, que tiveram que adaptar as receitas com os ingredientes daqui. Tem muita gente fazendo um trabalho sério no Brasil”, afirma ela. Mesmo assim, Telma defende a importância de se cobrar transparência por parte da indústria. “Vale lembrar que existem produtos bons e ruins. Cabe ao consumidor cobrar mais qualidade dos shoyus nacionais”, afirma Telma.

Há algumas marcas no mercado brasileiro que não utilizam o cereal na formulação. Para identificá-las, vale dedicar um tempo diante da gôndola lendo os rótulos. “Basicamente, o que contiver menos ingredientes, vai ser melhor”, afirma Marisa Ono. Outra dica para checar a qualidade é colocar a garrafa contra a luz. “O shoyu de qualidade tem que ter uma cor mais clara e quase translúcida”, explica Ken Mizumoto.