Por Beatriz Marques | Fotos Rodrigo Azevedo

Os mais desavisados podem duvidar ao parar na esquina das ruas Conde de Irajá com a Visconde de Silva, no bairro do Botafogo. Sem placas na porta, é preciso passar pelo pequeno portão baixo para entender que realmente chegou ao restaurante Oteque. E, ao entrar, você esquecerá que está no Rio de Janeiro.

Pode parecer exagero, mas o chef paranaense Alberto Landgraf conseguiu construir uma atmosfera própria em plena zona sul carioca. De ares minimalistas, sem toalhas nas poucas mesas, pé-direito alto e uma acústica de fazer inveja aos arquitetos mais perfeccionistas, o Oteque proporciona uma experiência em que a simplicidade está em harmonia com a sofisticação, onde todos os detalhes são estrategicamente pensados, mas sem parecerem ostensivos. “Queria que o restaurante tivesse a minha cara, fosse jovem, e refletisse a minha comida, em que não abro mão de qualidade”, explica o chef, que inaugurou a casa no ano passado. Basta observar o aquário com ostras e crustáceos instalado no salão, símbolo de máximo frescor (os pescados e frutos do mar se tornaram constantes no seu menu degustação a R$ 345). Ou mesmo as taças de cristal Zalto escolhidas para acolher os mais de 160 vinhos da carta moldada, na grande maioria, por rótulos de pequenos produtores e importadores. “O sommelier precisa pensar no vinho assim como eu penso a minha comida”, define.

A expectativa para a chegada do Oteque era grande, já que Landgraf demorou dois anos para abrir uma nova casa depois que do fim do Epice, restaurante de grande aceitação de público e da crítica em São Paulo. Em constante evolução, o chef já colhe os louros de seus esforços, reconhecidos mesmo em tão pouco tempo: estreou na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina no 33º lugar e recebeu a primeira estrela do guia Michelin em maio passado. “Todo profissional gosta de ser reconhecido pelo seu trabalho”, opina Landgraf, que ainda compartilha seus anseios gastronômicos na entrevista a seguir. E, com a ajuda do sommelier Leonardo Silveira, sugere os encontros ideias entre vinhos e pratos do Oteque.

Como foi o processo de desligamento do Epice, restaurante que era bem-conceituado por todos?
Eu só consegui enxergar isso depois que fechou o Epice: todo mundo precisa enxergar beleza naquilo que está fazendo. Para alguns, isso pode estar nas coisas mais simples. Para outros, é dinheiro, quanto mais tiver, melhor. Mas eu não via mais beleza naquilo que eu fazia, em algum momento eu perdi essa conexão.

Você acha que a beleza se perdeu no seu trabalho ou sua relação com a beleza mudou?
Acho que ambos, especialmente depois que minha mãe morreu, em março de 2015 e eu fechei o Epice em dezembro do mesmo ano. Foi o período mais difícil, ela era minha melhor amiga. E, dentro de mim, eu tinha que encontrar o meu caminho. Percebi
que o melhor restaurante era aquele que eu conseguiria ir trabalhar alegre todos os dias.

Eu já namorava Nathalie (a chef Nathalie Passos), que estava bem com o restaurante no Rio (é dona do Naturalie Bistrô), quando decidi sair do Epice. E quando você passa por um processo de morte na família, vê também que, no fim do dia, só a família que está com você. E eu vi que estava na hora de mudar a marcha, sossegar.

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Como foram esses dois anos de hiato, entre o Epice e o Oteque?
Eu tive esse tempo para pesquisar tudo, para ver o que me realmente me agradava. E tinha que ser melhor que o Epice, senão não teria sentido algum. Quis melhorar a regularidade, ter conceito mais definido e planejado. E a viagem que fiz ao Japão nesse período que influenciou a minha comida: me mostrou claramente que não precisa ser complexo para ser genial. Você pode fazer uma coisa simples e deixar as pessoas impressionadíssimas. No livro do dono da Muji (famosa loja japonesa), que é um designer, ele conta que, quando o contrataram para fazer a loja, sua missão era simplificar o que era sofisticado e sofisticar o simples, fazer ambos viverem em sintonia. Voltei para o Brasil sabendo que faria isso.

Comecei a escutar o feedback dos clientes de restaurantes no Rio, sentindo o que eles queriam. Priorizei a acústica, o ar condicionado, e um detalhe, que foi o segredo do sucesso do Oteque até agora: eu precisava montar um restaurante para a pessoa que toma vinho.

Por quê?
É um pessoal que tem um poder aquisitivo maior e tem o costume de ir a restaurantes com mais fre-
quência. E comecei as observar: do que os caras que tomam vinho gostam? Mesas redondas, enxoval de taça bom, bons profissionais de serviço de vinho, e eu montei uma adega melhor. Meu vinho mais caro no Epice custava R$ 200 e hoje eu já vendi uma garrafa de R$ 12 mil. É um outro patamar. Isso que me fez ver a diferença de um bom restaurante para um grande restaurante, para as pessoas nos olharem de uma forma diferente, como uma referência.

O que você vê de diferente no serviço de vinhos do Oteque?
Sinceramente, eu não acho que seja diferente. O que há são outros serviços de vinho antiquados. Hoje ter um cara de paletó, chamando outro de senhor, tratando o cliente como senhor de engenho, é ridículo. Nenhum lugar no mundo você tem isso. É desnecessário, é contra o discurso que todo mundo faz de igualdade. É absolutamente contra o que a gente tá tentando fazer no País. Eu quero que o Oteque seja jovial e com a minha cara: a música, a comida, a equipe, o jeito de servir e o sommelier tem que pensar no vinho assim como eu penso a minha comida. Tenho certeza que tem gente que só vem ao restaurante por causa dessas taças (da marca Zalto). Faz diferença para alguém que toma vinho. E para mim, como cozinheiro, a coisa que me sinto mais lisonjeado é quando um cliente me liga dizendo que quer fazer uma degustação de vinhos com amigos e escolheram o Oteque.

Na sua equipe de vinhos você trabalha com um homem (Leonardo Silveira) e uma mulher (Laís Aoki). Isso é uma regra no seu serviço?
Sim, metade da minha equipe é obrigatoriamente mulher – metade no salão, metade na cozinha. Porque, no mercado como esse, se matematicamente você deixar, a maioria será homem e eu quero equilibrar.

Nos tempos de Epice, você havia me falado que sua comida era baseada em acidez, textura e equilíbrio? Continua a mesma?
Sim, precisa ter as texturas, a acidez e o equilíbrio de temperatura. Na minha comida nada é muito quente e nada é muito gelado, pois os dois não têm gosto de nada. A construção de sabor e de estética continuam a mesma. Talvez eu tenha descoberto outros caminhos para se chegar ao sabor. Hoje eu aprendi mais sobre fermentado, umami, texturas (que vão além do crocante), e temperatura, algo que aprimorei na viagem ao Japão. O arroz do sushi, por exemplo, é levemente morno porque ele que começa a realçar o sabor do peixe. No Oteque, eu tenho uma espinha dorsal do cardápio, e mudamos diariamente ingredientes conforme a disponibilidade: um peixe cru, uma concha do aquário, um prato de legume, um peixe cozido, uma carne e uma sobremesa. E as criações vão sendo acrescentadas ao repertório.

Você sente uma pressão pelos prêmios?
Tem impacto. A pressão do prêmio é uma questão minha. Todo profissional gosta de ser reconhecido pelo seu trabalho, sabe? Quando abriu o Epice, eu cortaria uma mão para estar entre os 100 melhores do 50 Best. Hoje eu cortaria só um dedo. Vai sair o Michelin agora e eu ‘estou mas não estou’. (na data da entrevista, a edição 2019 não havia sido lançada, e o Oteque ganhou uma estrela do guia. A cotação máxima são três.). Uma coisa que vou falar que é cruel: pior para o Michilin eu não estar (entre os estrelados) do que para mim. Quem vai ter que dar mais explicações são eles, não eu.

A credibilidade do Michelin está mais em jogo do que a sua?
Sem dúvida. Se não for generoso comigo, o critério dele está errado.

Teria que ter uma readaptação do Michelin?
Não, o problema é que quem vem avaliar aqui é o Michelin da Europa. Tem restaurante americano estrelado que é dentro de uma loja de conveniência. Os (avaliadores) americanos têm a cabeça mais parecida com o que eu acho da cena atual. O ideal seria que fossem avaliadores brasileiros. Sinceramente, eu ligo para prêmio e não acredito em chef que fala que não liga. Mas o último crivo não tem que ser o prêmio, o jornalista, nem o cliente. Tem que ser eu. Eu tenho que saber julgar se isso precisa melhorar ou não, se isso merece ou não o prêmio. Eu tenho que ter qualidade suficiente e não me deixar levar pela opinião alheia, seja por um comentário no Instagram ou por uma lista.

Você tem mais algum desejo profissional?
Desejo ir para alguma mídia, que possa me dar um retorno financeiramente, quero ter filho e isso me daria mais tranquilidade. Agora eu me deixei mais aberto a conversas com produtoras, diretoras, agentes e eu acho que dá para conciliar e não prejudicar o restaurante, dependendo do tipo de programa. Gostaria de dividir conteúdo com as pessoas.

Também quero que o restaurante cresça não só para mim, mas para também todo mundo que trabalha aqui. E queria, daqui a dez anos, ver os cozinheiros que já trabalharam comigo me considerarem um exemplo, saberem que não sou um cara perfeito, mas que possa ter servido de inspiração para eles terem uma profissão decente.

Vinhos em sintonia com o restaurante

Se a comida do Oteque tem inúmeras particularidades, com o vinho não seria diferente. Bem eclética, com vinhos de países como Eslovênia e de regiões como Jurançon (França) e Bío-Bío (Chile), a carta dá bastante ênfase aos vinhos naturais, mas não deixa de ter ícones entre as opções – pode ir desde um mais conhecido, como o bordalês Château Marjosse Rouge 2016 (R$ XXX) até o Pinot Noir São Paulino 2017, brasileiro biodinâmico do Vinhedo Serena, no Rio Grande do Sul (R$ XXX).
“Trabalhamos com cerca de 30 importadoras, a maioria focada em rótulos de pequenos produtores. Por isso é comum trocar bastante a carta, já que as quantidades são bem reduzidas”, explica o sommelier Leonardo Silveira.

Leonardo Silveira e Alberto Landgraf definem as melhores harmonizações para o menu do dia

As escolhas dos rótulos vão de encontro com o perfil da cozinha de Landgraf. “A comida do Alberto é fácil de harmonizar, porque é muito precisa: ácido, umami, sal e minimalismo no trabalho com o ingrediente”, conta o sommelier. Então as buscas vão para vinhos que tenham estilo de fruta mais cítrica e que não atropelem a comida do chef. “Não queremos que a pessoa saia daqui com a impressão de ter bebido um vinho maravilhoso, mas sim de ter uma harmonização maravilhosa”, completa
Para estimular as harmonizações, há dois formatos de degustação, diferentes pelos níveis das bebidas e não pela quantidade. Tanto a light (R$ 235) quanto a premium (R$ 395) podem ter espumantes, brancos, tintos, de sobremesa, fortificados, uma cerveja e um drinque. As escolhas são definidas por Silveira e Laís Aoki diariamente, de acordo com os pratos selecionados por Landgraf e pelo subchef Nilson Chaves. Como é grande a quantidade de pratos com pescados, é comum sugerir mais brancos na degustação. Mas há espaço para bebidas como saquê, uma das sugestões para esta reportagem.

Esse modelo de harmonização tem estimulado o consumo de vinhos. A bebida está presente em 95% das mesas e representam entre 30 a 40% do faturamento do Oteque. E quando o cliente não pede vinho, é porque já trouxe o seu de casa. “Cerca de 20% dos clientes levam o vinho (a rolha de R$ 160 é cobrada pelo serviço) e muitas vezes nos avisam para que o Alberto possa sugerir pratos de harmonização”, revela Silveira.

Oteque
rua Conde de Irajá, 581 – Botafogo
(21) 3486-5758 – Rio de Janeiro – RJ
oteque.com