Por Paulo Machado

“Da manga rosa
Quero gosto e o sumo
Melão maduro, sapoti, juá
Jabuticaba, teu olhar noturno
Beijo travoso de umbu cajá
Pele macia
Ai! Carne de caju! (…)”

Não tem como pensar em caju e não lembrar dos versos deliciosos de Morena Tropicana, canção composta pelo célebre Alceu Valença. Há alguns anos tive o prazer de cozinhar para ele, na sua casa em Olinda (PE), com ingredientes inspirados nas letras do autor. Valença tem paladar delicado, é maluco por frutas e suas misturas. Lembro-me bem que fez bastante sucesso a moqueca de carne de caju – receita criada depois que pesquisei subprodutos dessa magnífica fruta que, apresentada pelos Tupis, salvou os portugueses, em idos tempos de conquistas, do abominável escorbuto.

Com o sumo do caju se faz a deliciosa cajuína e polpa bem amassada se presta para doces (quando cozida com açúcar) ou para salgar – a consistência fica como de uma carne-seca e se usada como iscas, picadinhos, guisados, se torna excepcional.
Tempos depois reencontrei Valença, por acaso do destino, em Petrolina (PE). Na ocasião, muitos prazeres: cozinhar com Juci Melo, do Flor de Mandacaru e provar sua moqueca de cari (um peixe feio, mas de carne deliciosa, que lembra lagosta); assistir o magnânimo show do cantor; e claro, realizar o sonho de conhecer a impressionante vinícola Rio Sol.

Impressiona porque no semiárido, às margens do rio São Francisco, as barreiras da sazonalidade se transformam. Estações do ano se revezam num só dia e apressam o trabalho das vinhas, que tornam possível duas colheitas de uvas por ano. Conheci seus vinhos num inesquecível guisado de bode preparado com o tinto de duas castas: cabernet sauvignon e syrah. Não dá pra tirar da memória o gosto encorpado e intenso que o vinho deu ao prato, que seguiu acompanhado de arroz branco, feijão, farofa, vinagrete e macaxeira cozida.

Inspirado pelo projeto colaborativo Cerrado no Prato, onde chefs do planalto central, encabeçados pela pesquisadora Ana Paula Jacques prestam homenagem aos produtos locais, criei um prato com vinho e frutos do Cerrado: carne de caju, especiaria de guavira e castanha de baru. E claro: mandioca, que não pode faltar. A mescla dá uma nota que me lembra o sarrabulho das festas juninas de Corumbá (MS). O resultado é leve e dá vontade de repetir. Nasce o guisadinho de caju.