Muito mais do que uma marca de pneus, o nome Michelin se consolidou como uma bússola para amantes da boa gastronomia desde 1926 — ano em que o Guia homônimo começou a conceder estrelas a restaurantes padrão-ouro pelas estradas mundo afora. De lá para cá, quase um século depois, polêmicas se formaram acerca do sistema de classificação de estabelecimentos — já que, além de consolidar a carreira de chefs e restaurateurs pelo mundo, as estrelas também podem acabar com reputações caso sejam perdidas.

+ Saiba como funciona o trabalho dos inspetores secretos do Guia Michelin
+ Felipe Bronze comenta 91ª posição do Oro no 50 Best e reflete sobre pressão para manter estrelas Michelin

Essas possibilidades, entretanto, não parecem ser um problema para Paolo Casagrande — chef do premiado Lasarte, na Espanha, ao lado do proprietário Martín Berasategui. Na lista dos 93 melhores chefs do mundo pelo The Best Chef Awards, Berasategui e Casagrande estão à frente do que foi o primeiro restaurante de Barcelona a conquistar três estrelas, prêmio máximo do Guia Michelin, em 2016.

Enquanto alguns restaurantes chegam a devolver suas estrelas Michelin em meio a polêmicas, Paolo tem como objetivo conseguir a quarta — mesmo que tal reconhecimento sequer exista. Em entrevista ao site Revista Menu, o chef adota uma abordagem resiliente frente à possível pressão trazida com os títulos que carrega.

Pressão na cozinha

Quando questionado sobre uma possível sobrecarga no comando de um restaurante estrelado três vezes, o chef reflete: “É inevitável. É lógico que existe pressão, mas eu tenho muita sorte. Sou uma pessoa tranquila e lido muito bem com isso, porque a pressão é algo que eu mesmo coloco em mim. Minha pressão sempre foi me desafiar, me colocar em jogo, trabalhar duro constantemente para fazer o melhor que sei e tentar fazer melhor do que ontem”.

E garante que a cobrança excessiva nunca afetou sua criatividade na cozinha: “Há momentos em que posso me sentir mais ou menos criativo, sem dúvida. Mas não depende da pressão. Depende de muitos compromissos, a cada dia temos muitíssimas coisas para fazer”.

Entre clientes, eventos, viagens e entrevistas, Paolo destaca que o desafio não é apenas manter a qualidade, mas também encontrar tempo para inovar. “Há pratos que demoramos duas semanas para criar, outros levam seis meses, ou começamos hoje e terminamos no próximo ano”, comenta.

‘Trabalhamos pela quarta’

Apesar de raro, não é impossível que restaurantes reconhecidos pelo Guia percam uma ou mais estrelas de um ano para o outro, por motivos conhecidos somente pelos inspetores Michelin. A possibilidade não é algo que Paolo goste de considerar, mas ele admite os impactos que isso poderia ter.

“Com certeza haveria uma grande repercussão [perder uma estrela Michelin]. Somos um restaurante com trajetória e clientela fixa, mas a concorrência é enorme. Em Barcelona, fomos o primeiro restaurante a conquistar três estrelas em 2017, mas agora existem outros três. A qualidade e a competição estão crescendo constantemente”, reflete.

Paolo, contudo, prefere focar no trabalho diário e na consistência. Ele explica que um dos critérios mais importantes para o Guia Michelin é a constância:

“Algo que penaliza muito é a falta de regularidade. Comer muito bem hoje e mal amanhã, isso eles [inspetores Michelin] não toleram. Não serve de nada ser supercriativo hoje e oferecer algo excepcional, mas amanhã isso não se repetir. Para nós, é essencial que, se mudarmos um prato, ele seja tão bom quanto ou melhor que o anterior.”

Apesar disso, Paolo mantém uma perspectiva ambiciosa: “Nós não pensamos em perder as três estrelas. Trabalhamos pela quarta, mesmo que ela nem exista.”

Embora o impacto financeiro de perder uma estrela seja inegável, o chef ainda explica que acredita que sua força reside na equipe. “Eu posso não estar 100%, mas tenho um time que está a 120%. Essa é a grande sorte e força de um restaurante: saber que se está rodeado de um grande time.”

E finaliza: “Se algo assim acontecesse, a reação seria pensar: ‘tudo acontece por uma razão’. Algo errado foi feito. Mas baixos ou momentos duros, todos temos na vida. O importante é superá-los.”