por Paulo Machado

Chegou a época em que todos discutem o que teremos na ceia de Natal. Nos quatro cantos do País, com eventual traço regional, os pratos giram em torno de salpicão, peru, tender, chester, farofas recheando assados, arrozes com castanhas e frutas secas, torta de nozes. Se pararmos para pensar, como foi que essas receitas se consolidaram no nosso repertório natalino? Talvez a partir de livros de receitas, fascículos de revistas, “americanização” nos programas de TV. Mas nem sempre a comemoração é assim.

Num bom dedo de prosa que tive com o saudoso Ocílio Ferraz, sociólogo e cozinheiro, durante uma visita que fiz a ele em seu restaurante em Silveiras (SP), me deparei com sagradas surpresas. No coração do vale do Paraíba, berço da cultura tropeira, registrei impressões desse tema que envolvem comensalidade e religião em torno da identidade local.

Até bem pouco tempo, na noite de 24 de dezembro, era servido um jantar de Natal cercado de extrema simplicidade e, acima de tudo, religiosidade. Ferraz contou-me que as famílias das cidades próximas recebiam seus parentes e amigos que vinham da zona rural e ali, em torno de um cafezinho, serviam uma canja de galinha, uma canjiquinha ou quirera, tudo dentro de extrema simplicidade. Depois todos iriam à igreja para a tradicional missa do galo.

Dia seguinte, em referencia aos infantes de até dez anos, era feita a missa dos anjos e, por consequência, era posta a chamada “mesa dos anjos”. As crianças fantasiadas de anjos, em torno da mesa, serviam-se de docinhos caipiras, típicos e bem simples, dos mais modestos possíveis, mas sempre com a presença do doce de figo seco, uma tradição imensa na região dos caipiras.

Depois uma mesa ampla e muito farta, onde não havia nenhuma bebida, e nada de peru assado ou carnes assadas grandiosas. Era servido simplesmente o frango caipira, uma farofa acompanhada de arroz bem feito e feijão. Naquele momento era repetido o silencio entremeado de muita oração, muita responsabilidade e nada de troca de presentes. A celebração maior era em torno do convívio, da família, o mais sagrado dos exemplos que se podia transmitir.

Gostaria que neste Natal e passagem de ano, a gente pensasse um pouco mais no cardápio tipicamente brasileiro durante as festas. Por isso, deixo aqui minha receita de farofa de ovos. Felicidades e muita saúde pra todos nós!