24/07/2019 - 20:00
Por Roberto Fonseca*
Entre as inúmeras harmonizações cervejeiras possíveis na Flórida (EUA), a que mais me surpreendeu recentemente foi a de uma American IPA com uma queda de 102 metros de altura – de preferência na ordem inversa. Explico: depois de quase três décadas longe de parques de diversões, fui conhecer o lado cervejeiro do Busch Gardens, para mostrar que é possível provar boas fermentadas em meio a outros tipos de entretenimento na Flórida. Longe de ser fã de adrenalina e loopings, fiquei com uma certa culpa em deixar o parque sem ir sequer a um dos brinquedos, e escolhi o que parecia ser mais tranquilo. Ledo engano.
Digamos que a queda no Falcon’s Fury, que ocorre com os passageiros inclinados com o rosto quase para baixo até o último momento, é uma potente lembrança do quanto é bom estar vivo – e não ter de voar como ganha-pão. Ainda meio desnorteado, vi uma placa indicando cervejas artesanais a poucos passos de distância, na Twisted Tail Pretzels. Fui direto na IPA do dia, a Hop Gun da Funky Buddha; se o lúpulo tem propriedades calmantes ou não, o fato é que a cerveja funcionou a contento. E foi um achado: a maior parte das torneiras era dominada por “louras geladas” ou rótulos de grandes empresas, que não trazem lá muita novidade ao paladar.
Melhor situação cervejeira vive quem vai ao Brew Club, no segundo andar do restaurante e pub Serengeti Overlook, destinado originalmente a associados, mas cujas cervejas também podem ser compradas por quem fará apenas uma visita. Havia à disposição no dia em que estive lá rótulos das locais – e boas – Green Bench e Hidden Springs, além de IPAs da Sierra Nevada e da Founders, Sours e sidras. Os participantes do programa ganham uma caneca, que fica guardada no próprio local, a exemplo de algumas cervejarias e bares alemães, e tem descontos nos preços de cada cerveja.
A história do Busch Gardens de Tampa, que completa 60 anos em 2019, aliás, está conectada à cerveja. O local surgiu como fábrica da Anheuser-Busch, com biergarten e viveiro de pássaros. Os diferentes habitats de animais, transportes internos no parque e brinquedos foram adicionados nas décadas seguintes. Em 2009, após a compra da Anheuser-Busch pela Inbev, o parque e o Sea World foram vendidos a outra empresa. Até o dia 5 de agosto, os visitantes do parque ganham duas cervejas grátis, em revival do que ocorria na época da fundação. E, do dia 17 de agosto até 8 de setembro, será realizado um festival cervejeiro no Busch Gardens.
No aquário – e no copo
Também em Tampa, o Florida Aquarium é uma boa opção para passar o tempo – sob ar-condicionado, vale frisar – observando milhares de espécies de peixes, répteis, aves e mamíferos, locais e do resto do mundo. Depois de visitar a Coppertail Brewing no dia anterior e ter provado a Stone Crab Stout, que leva caranguejos na composição, não pude deixar de me compadecer ao ver um exemplar do pobre crustáceo em um dos recintos do aquário, pouco afeito a fotografias, ao contrário dos peixes e aves residentes. Melhor sorte teve o tubarão sand tiger – conhecido como cinza ou cação no Brasil. Ao invés de ir parar na cerveja, ele ganhou uma fermentada em sua homenagem, em que parte da arrecadação é usada na preservação da espécie. Com notas de malte torrado, café e chocolate escuro, ela pode ser degustada no bar externo do aquário.
Apesar da boa ideia, a seleção das demais cervejas por ali não e muito palpitante. Mas, a poucos passos de distância fica o Sparkman Wharf, conjunto de restaurantes ao ar livre, onde o bar Fermented Reality é um biergarten com 34 torneiras, dos EUA e de outras escolas cervejeiras clássicas. Por ali, a pedida foi a Hidden Springs Sultry Sailor, uma Gose com limão, com objetivo de lembrar uma margarita, acompanhada de uma salada de polvo – também avistado no aquário.
Nos olhos de quem vê – e bebe
Em outros passeios, as referências cervejeiras são menos, digamos, palpáveis, e quem sabe mais acessíveis aos aficionados pela bebida. O Museu Dalí, em St. Petersburg, tem uma vasta coleção de obras do artista surrealista espanhol, com direito ao “Sonhos de Dalí”, uma imperdível imersão por meio realidade virtual em uma de suas obras, “Reminiscência Arqueológica de O Anjo, de Millet”; é impressionante poder ver as criaturas concebidas pelo pintor se movendo, como se estivessem alguns metros acima do observador. Mas também me surpreendi ao encontrar semelhanças entre o quadro “Gala contemplando o mar”, que visto a 18 metros de distância se converte no retrato do presidente norte-americano Abraham Lincoln, com o rótulo da cerveja The Cowboy, da Evil Twin.
Na mesma St. Pete fica a Chihuly Collection, que reúne os coloridos e chamativos trabalhos em vidro do artista Dave Chihuly. Localizado estrategicamente entre as cervejarias Green Bench e Cycle, é uma opção de passeio não muito longa, mas bastante interessante para quem cansou de bater pernas pelas lojas da Central Avenue South. Além dos detalhes de cada obra, outro fato me chamou a atenção: algumas delas me lembraram as “artes” que alguns cervejeiros fazem com seus copos, que recebem “enfeites” de barras de chocolate, marshmallow, bolachas e outros doces antes de serem devidamente postados em mídias sociais. A quem achar as comparações um tanto forçadas, juro que ambas as visitas foram o primeiro compromisso do dia, antes de qualquer bar ou cervejaria.
*O jornalista viajou a convite de Visit Florida