por Suzana Barelli***

A Quinta de Vargellas, propriedade da Taylor’s no Douro Superior, é para os persistentes. Mais perto da fronteira da Espanha do que da cidade do Porto, 160 quilômetros rio abaixo, atualmente até que não é difícil chegar lá – o outrora revolto rio é navegável desde a construção de barragens nos anos 1960 e há um pequeno trem que margeia o Douro e para, a pedido do passageiro, na estação particular de Vargellas. No caminho, no entanto, cada curva do rio deixa clara a ideia de que não é fácil cultivar uvas em suas íngremes encostas, por mais que a paisagem seja uma das mais belas do mundo vinícola – a região é considerada um patrimônio da humanidade pela Unesco.

Quando a Taylor’s decidiu adquirir a propriedade em 1893, o cenário era bem mais inóspito e Vargellas já era conhecida pela qualidade dos seus vinhos do Porto. O rio ainda não era totalmente navegável, a energia elétrica inexistia (só chegou na década de 1970) e suas vinhas estavam devastadas pela filoxera, a praga que atingiu os vinhedos europeus a partir da década de 1860. Em três anos, Frank Yeatman, então o líder da empresa, comprou as três parcelas que formam a propriedade, hoje com 191 hectares de vinhedos (aqui incluído a vizinha Quinta São Xisto, adquirida nos anos 1990), e partiu para replantar as vinhas e refazer seus socalcos, focando na produção de uvas para este vinho fortificado.

Por lá, persistentes também são suas vinhas, que crescem nos socalcos construídos para permitir o cultivo nas montanhas inclinadas da propriedade, e sofrem com o clima árido local. São 200 milímetros de chuva por ano, contra os mais de 1.200 milímetros na região do Porto. Em Vargellas, estão as variedades típicas da região, como touriga franca (que predomina no vinhedo), touriga nacional, tinta roriz, tinto cão, entre outras. Em cinco pequenas parcelas, há plantas com idades entre 80 e 120 anos, cultivadas da maneira antiga, com as variedades todas misturadas e que resultam no raro vintage Vinha Velha.

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O rio Douro aparece entre o jardim e a casa da família Roberstson

Nessa paisagem particular, suas uvas apresentam boa concentração de aromas e sabores, tanto em notas de frutas vermelhas, como florais. O clima mais quente do Douro Superior, quando comparado à região de Cima Corgo, mais fresca, tende a tornar seus frutos mais exuberantes e com a nítida riqueza da fruta. Vinhos concentrados e com grande capacidade de envelhecimento também são características deste terroir e revelam a sua vocação para o estilo vintage de seus Portos. “Quando a boca é muito intensa, indica que será um bom vintage”, ensina o enólogo Fernando Meirelos, que provava as primeiras amostras de barris, logo após a fermentação da safra de 2015, no dia da visita, em setembro. “Mas ainda é difícil de definir”, acrescenta ele. Nem todos os anos, as casas de vinho do Porto elaboram seus vintages.

As uvas de Vargellas podem dar origem a Portos únicos, como o Vintage e o Vintage Vinha Velha, mas também são mescladas com as das outras quintas da Taylor’s, na elaboração dos diversos estilos de Porto. O aclamado Vintage 2011, por exemplo, é uma mistura das uvas das três quintas da Taylor’s. Complexo e elegante ao mesmo tempo, pode-se afirmar que as suas notas exuberantes, frutadas e florais, são dadas pelas uvas de Vargellas, mas o frescor e mineralidade vêm das frutas das quinta da Terra Feita e do Junco, que ficam no Cima Corgo. A Qualimpor traz estes Portos para o Brasil. O vintage Vargellas 2012 é vendido por R$ 430.

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Uma das caves da Taylor’s em Vila Nova de Gaia

Os profissionais da Taylor’s, liderados por David Guimaraens, na enologia, e por António Magalhaes, na viticultura, sabem que os vinhos precisam passar um inverno nos barris para deixar claro seu potencial – e eles falam com a propriedade da vinícola que se orgulha de ter sido a criadora do LBV (Late Bottled Vintage). Só então a bebida segue para as enormes adegas em Vila Nova de Gaia, cidade em frente ao Porto. Atualmente, a Taylor’s também conta com uma grande unidade de armazenamento de seus vinhos na Quinta da Nogueira, no Douro.

Em Gaia, o cenário destoa completamente da bucólica Vargellas: em um labirinto de barricas dos mais diversos tamanhos repousam os vinhos de todo o grupo The Fladgate Partnership, familiar desde a fundação da Taylor’s em 1692 e que hoje inclui também as casas Fonseca, Croft e Krohn. No total, o grupo vende, em média, 12 milhões de garrafas por ano, de vinhos que nascem nas 13 quintas que compõem o Fladgate, hoje liderado por Alistair Robertson e seu genro Adrian Bridge.

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Os nomes das quintas são colocados em letras garrafais e voltadas para o rio Douro

Próximo aos 80 anos, Robertson não tem dúvidas de preferir Vargellas entre todas as quintas. Talvez por conhecer a força do seu terroir, talvez pela beleza do lugar – não é a toa que ele construiu um pequeno gazebo no topo da montanha, com vista mais que privilegiada para as vinhas e as curvas do rio, para comemorar as suas bodas de casamento com Gilyane. É lá que ele recebe os seus convidados e chama para o brinde, em geral com um portônica, elaborado com o vinho do Porto branco de suas quintas. Gentil e com forte sotaque inglês, Robertson então fala sobre o encanto e a persistência de Vargellas.

* Reportagem publicada na edição 204 e o preço dos vinhos mencionados podem ter sofrido alterações 

** A jornalista viajou a convite da Qualimpor